INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 486 DA CLT NO CASO DE FORÇA MAIOR – COVID-19
- JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS
- 27 de mar. de 2020
- 8 min de leitura

O COVID-19 (Coronavírus) que tem provocado o isolamento social em certa medida vem repercutindo e muito nas relações de trabalho, inclusive, temos publicado alguns artigos no sentido de demostrar os impactos provocados por essa pandemia nas relações de trabalho.
Nesse patamar, alguns tem argumentado da responsabilização de autoridades em qualquer esfera que determine ou motive a paralisação de atividade profissional e, para tanto, justificado no artigo 486 da CLT.
De inicio, vale a pena abrir um parêntese para fazer a seguinte afirmação: (que em momentos de crise como a que estamos a passar com a disseminação dessa pandemia costuma surgir médicos e juristas para todos os lados), o que em certa medida acaba se tentando fundamentar teses que não se coadunam com o nosso ORDENAMENTO JURÍDICO.
Destarte, alguns tem trazido o artigo 486 da CLT., para tentar responsabilizar autoridades públicas que tem de certa forma motivado a paralisação de atividade profissional.
Contudo, entendemos que o artigo 486 da CLT., não se aplica nos casos de força maior como pandemia e, justificaremos o porquê a luz do NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO.
Para começar o debate e como primeiro fundamento não podemos esquecer que nosso principal DIREITO encontra-se esculpido no artigo 5º., da Constituição Federal de 1988, que é a INVIOLABILIDADE DO DIREITO A VIDA, VEJAMOS: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Com isso, poderíamos parar por aqui e, já teríamos fundamento suficiente para afastar a aplicabilidade do artigo 486 da CLT., em casos semelhantes a PANDEMIA DO COVID-19 (Coronavírus).
Porém, analisaremos também por outros aspectos:
Quanto a aplicação do artigo 486 da CLT, ou seja, se a União, Estados e Municípios seriam responsáveis pelo pagamento dos danos ocorridos diante dos decretos os quais suspenderam vários ramos da atividade econômica, entendemos que no caso do COVID-19 não se aplica, seja pelos fundamentos acima, assim como, que majoritariamente nossa jurisprudência tem entendido que a aplicação deriva de ato unilateral da autoridade pública, seja Federal, Estadual ou Municipal de paralisação temporária ou definitiva e que referido ato seja previsível.
Ocorre que, a aplicação somente se dá, quando o evento o qual originou o ato Púbico de suspensão das atividades econômicas, seja previsível, coisa que não ocorre com a pandemia global causada pelo COVID-19.Mesmo que se assim não fosse a aplicação do artigo em questão não seria de imediato e teria o caráter de regressão, ou seja, o setor econômico arcaria com os danos e depois entraria com ação de regresso, é a interpretação do § 1º do artigo 486.Nesse sentido, entendemos que não se aplica o artigo 486 da CLT no caso da pandemia (COVID- 19), posto que o fato que originou a suspensão temporária das atividades, não era previsto, não cabendo ao ente público qualquer ressarcimento ou devida indenização.
Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)§ 1º – Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria. (Incluído pelo Decreto-lei nº 6.110, de 16.12.1943)§ 2º – Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)§ 3º – Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos.
A jurisprudência vem neste sentido, ou, seja, somente se aplica o artigo 486 da CLT, quando houver previsibilidade do fato que originou a suspensão parcial ou total da atividade, sendo que, no presente caso inexistia, o que não poderia ser diferente por se tratar de força maior, além do mais nenhum direito poderá se sobrepor ao DIREITO A VIDA.
Triunal Superior do Trabalho TST – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA : AIRR 313-70.2018.5.12.0001 – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. SPDM – ASSOCIAÇÃO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA. TRANSCENDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL EXCLUSIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. FACTUM PRINCIPIS 1 – Deve ser reconhecida a transcendência na forma autorizada pelo art. 896-A, § 1º, parte final, da CLT (critério “e outros”) quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate da matéria no âmbito próprio do conhecimento, e não no âmbito prévio da transcendência. 2 – Pretende a empregadora imputar responsabilidade exclusiva ao Estado de Santa Catarina em relação aos créditos trabalhistas reconhecidos em favor da reclamante, sob o fundamento de que “rompeu o contrato firmado com a recorrente sem nenhuma comunicação prévia, de forma abrupta, sem motivação fática ou legal, sem que a recorrente tivesse cometido qualquer irregularidade que pudesse dar ensejo à tal ruptura e, pior, sem o pagamento das verbas devidas à recorrente”, o que caracterizaria “ato de império estatal” e o factum principis. 3 – No caso, diferentemente do que alega a empregadora, conforme registro do Regional, o contrato de gestão firmado entre as reclamadas alcançou seu termo final e não foi renovado. 4 – Sucede que a falta de renovação do contrato de gestão pelo Estado não configura a hipótese do art. 486 da CLT. O ato da administração a que alude referido dispositivo é aquele que “impossibilita a continuação da atividade”. Trata-se de ato mediante o qual a administração pública impõe sua vontade, fazendo uso da força do Estado, o que difere absolutamente da não renovação de contrato de gestão, ato de natureza puramente negocial. Ademais, a não renovação do contrato pela administração se insere na assunção do risco do negócio pelo empregador, sendo previsível pelo que se tem de ordinário em relações comerciais. Tampouco impede que a reclamada mantenha a atividade em funcionamento. 5 – Agravo de instrumento a que se nega provimento. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL SOLIDÁRIA/ SUBSIDIÁRIA (PEDIDO SUCESSIVO) DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
Neste mesmo sentido transcrevemos parte de artigo publicado no sitio eletrônico jus.com.br, que corrobora o nosso entendimento, senão vejamos.
“2. Extinção do contrato de trabalho por factum principis no caso do coronavírus. A extinção do contrato de trabalho por factum principis, conforme já anunciado anteriormente, encontra lastro no artigo 486, caput, da CLT, conforme se observa pela transcrição a seguir:
A extinção do contrato de trabalho por factum principis, conforme já anunciado anteriormente, encontra lastro no artigo 486, caput, da C
“Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”
Pois bem! A fundamentação lógica para a edição do referido dispositivo se encontra na impossibilidade de continuidade das atividades empresariais e laborais, causada por um ato imprevisível oriundo do Estado, não sendo justo, por conseguinte, que empregado ou empregador seja penalizado por uma situação que não concorreu.
O conceito transcrito no preceito legal parece ser bastante claro e não deixar margens para muitas dúvidas em sua interpretação, no entanto, o que é necessário se verificar é se a extinção do contrato de trabalho por factum principis é a mais adequada ao caso vivenciado, qual seja: o caso da pandemia do coronavírus.
É fato, conforme já narrado no capítulo introdutório, que prefeitos e governadores de diversos estados brasileiros editaram decretos determinando o fechamento de estabelecimentos empresariais dos mais variados setores, mas isto é suficiente para fazer incidir o preceito do artigo 486 da CLT?
Pensamos que não. Isto porque, ao se observar detalhadamente o artigo 486 da CLT, é possível depreender que a determinação do artigo é que no caso de factum principis o pagamento da indenização recairá sobre o “governo responsável” e, no caso, em nossa particular visão, não existe “governo responsável”.
Ora! É preciso pensar um pouco sobre a responsabilidade civil do Estado ou da Administração Pública.
Nesse sentido, tanto a doutrina administrativa clássica de Hely Lopes Meirelles, como a moderna de José dos Santos Carvalho Filho, concordam que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 37, §6º, e o Código Civil de 2002, em seu artigo 43, adotaram a responsabilidade objetiva da Administração Pública, lastreada na teoria do risco administrativo.[3]
Dessa forma, a regra da responsabilidade civil do Estado ou da Administração Pública consiste na presunção relativa de responsabilidade do Estado ou da Administração Pública por dano causado, sendo possível que o Estado ou a Administração Pública demonstre a existência de concorrência de culpa ou de culpa exclusiva da vítima, para excluir sua responsabilidade.
Além disso, em relação aos atos legislativos, nestes incluídos os decretos, Lopes Meirelles sustenta que “a Fazenda Pública só responde mediante comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva”[4] e Carvalho Filho rechaça a possibilidade de responsabilidade do Estado, excepcionando apenas os casos de lei inconstitucional e lei de efeitos concretos.[5]
Não fosse isto suficiente, a doutrina de Carvalho Filho demonstra necessária a análise da existência de excludentes da responsabilidade, tal como o que denomina de fatos imprevisíveis (caso fortuito e força maior). Isto porque, no seu entendimento, a responsabilidade civil do Estado ou da Administração Pública deve ser excluída quando ocorrer caso fortuito ou força maior, tendo em vista que não existe fato imputável ao Estado.[6]
Nesse sentido, aliás, é o que dispõe expressamente o artigo 393 do Código Civil ao excluir a responsabilidade do devedor quando ocorrer caso fortuito ou força maior, como se observa da transcrição do artigo.
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Pois bem! Seguindo tal doutrina e o disposto no Código Civil, no nosso entendimento, não é possível utilizar o factum principis para justificar a extinção dos contratos de trabalho, justamente porque a pandemia do coronavírus constitui verdadeira causa de força maior a excluir a responsabilidade civil do Estado ou da Administração Pública em decorrência dos decretos editados no intuito de conter propagação desse vírus.” Artigo escrito e publicado no jus.com.br em 02/2020 por Ricardo Rabêllo Varial Carneiro Leão, acesso em 27 de março de 2020”.
Desta forma, em estudo preliminar somos do entendimento que o artigo 486 da CLT não se aplica no presente caso, posto que, a Pandemia Global se equipara a força maior o que exime o poder público de responsabilidades, visto que, seus atos se deram para salvar vidas, principio maior da Constituição Federal.
São Paulo, 27 de março de 2020
Por JOSÉ JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS & ARNALDO DONIZETTI DANTAS
JOSE JUSCELINO FERREIRA DE MEDEIROS – Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais – DIREITO (Universidade Guarulhos – UnG). Especialista em Processo Penal (UNI/FMU). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPD/SP). Mestrando/Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa-Pt. Advogado Trabalhista. Sócio de Medeiros & Batista Sociedade de Advogados. Assessor Jurídico da Nova Central Sindical dos Trabalhadores de São Paulo – NCST/SP. Ex-membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/SP. Palestrante, conferencista Internacional em Direito do Trabalho, Sindical e Saúde e Segurança laboral.
ARNALDO DONIZETTI DANTAS – Possui graduação em Ciência Jurídicas e Sociais – DIREITO (Universidade Brás Cubas) Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPD/SP), Consultor Sindical. Atualmente é Advogado Coordenador do Departamento Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Ônibus Rodoviários de São Paulo. Sócio de Dantas Sociedade Individual de Advocacia. Consultor Jurídico da Nova Central Sindical dos Trabalhadores de São Paulo – NCST/SP. Consultor Jurídico do Sindicato dos Condutores de Osasco-SP, SINTELPOST e SIELAV.
Comments